sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

SOLTURA DE PÁSSAROS: A VOLTA PRA CASA É POSSIVEL


Foto: Canário-da-terra sendo devolvido a natureza depois de apreendido.

O objetivo deste trabalho é provar que a devolução de pássaros silvestres apreendidos em cativeiro ou em poder do tráfico a natureza é possível, com 100% de sucesso. Que ao contrário do que prega o Ibama, que considera esses animais incapazes e os “doa” para criadouros comerciais e para zoológicos.

A retirada de pássaros e animais silvestres adultos e filhotes da natureza constitui-se num dos crimes mais hediondos que o ser humano é capaz de praticar.

Os pássaros vivem em grupos, constituídos de exemplares da mesma espécie, e muitas vezes de exemplares de outras espécies. Esse grupo da mesma espécie é formado por parentes como pais filhos, irmãos, e de outros da mesma espécie ainda que não sejam parentes. Nesse grupo há um líder, que sempre é um macho, que guia todo o rebanho, e que todos obedecem.

Os pássaros silvestres pensam, sonham, amam, e sentem a dor e a saudade, na mesma proporção que o ser humano. Um sexto sentido faz com eles percebam o perigo bem antes de nós. Diante de uma situação de perigo os pássaros silvestres expõem-se perante o predador, chamando a atenção sobre si e desviando desta forma a atenção sobre seus filhotes. Nunca me considerei protetora dos pássaros silvestres mas sempre me considerei protegida por eles. Em todas as situações de perigo que enfrentei eles estiveram do meu lado, não fugiram apavorados, cercaram-me e chamaram a atenção para si, como se eu fosse um dos seus filhotes.

Há 12 anos trabalhamos com comportamento de pássaros silvestres em seu habitat natural, fazendo parte do seu mundo e do seu grupo, tendo permanecido junto a eles do nascer ao por do sol, em dias de chuva ou de sol, e acompanhando seus deslocamentos.

Nesse trabalho inclui Pássaros Silvestres da Natureza, como também aqueles que ao longo dos anos foram devolvidos por nós a natureza, apreendidos em poder do tráfico ou em cativeiro, num total de 11 mil pássaros silvestres.

Apreensões:

Durante as apreensões, temos o cuidado de evitar o máximo o stress dos animais, e imediatamente após as apreensões esses pássaros recebem água e alimento. Após uma avaliação do estado desses animais, eles são levados para áreas de ocorrência. As áreas escolhidas são sempre áreas embargadas, parques, fazendas protegidas, onde são avaliados a presença de ninhos e de outros Pássaros da mesma espécie ou de outras e as condições de água, alimentação e abrigo que possa essa área oferecer.

Soltura:

Ao perceber que pássaros estão sendo devolvidos a natureza, os demais daquela área se aproximam, e começa a chamá-los.

Os pássaros libertados se comportam de duas maneiras: Voam para bem longe, como querendo fugir daquele sofrimento, ou pousam na primeira árvore, como tentando acreditar que realmente está livre. Em ambos os casos é feito um reconhecimento da área e o seu primeiro alimento, que em 90% dos casos se inicia logo após a soltura, é se alimentar de insetos presentes nos ramos e galhos das árvores que pousaram. Seu terceiro comportamento é tomar banho. A água é de fundamental importância, pois os pássaros silvestres são os animais mais limpos da natureza.

Os pássaros soltos juntam-se a outros da mesma espécie que tenham sido soltos naquele momento ou com outros ali existentes, sendo aceitos com festas no rebanho. Se na área de soltura não houver outros da mesma espécie, os Pássaros se juntam a outros de espécies diferentes e passam a fazer parte do rebanho desses, acompanhando-os, alimentando-se, dormindo junto com eles e acompanhando-os em seu deslocamento. A soltura nunca deve acontecer durante as ultimas horas do dia nem durante a noite.

Capacidade de Defesa:

A característica de reconhecer e identificar predadores é genético, como é o voar e o cantar. Devido a isso, pássaros silvestres não perdem a capacidade de defesa quando são mantidos em cativeiro, ao contrário, ela fica ainda mais aguçada. A linguagem do mundo animal é universal, assim, o aviso de perigo que indica a presença de predadores vindo de uma cigarra é tão respeitado e obedecido quanto o aviso vindo de outro pássaro.

Psiu (Aratinga cactorum) é uma jandaia apreendida no tráfico, adulta, que foi devolvida a natureza numa fazenda preservada. Durante anos a fio o fazendeiro ouviu gritos de aves sendo atacadas nas copas das árvores e nunca identificou o predador, acreditando tratar-se gavião. Ao ser solta, Psiu se uniu ao grupo de outros da mesma espécie que ali havia. Porém ouvia-se constantemente gritos de Psiu. O fazendeiro então resolveu montar campana, para saber o que ela via e quem comia as aves da fazenda. Imóvel no chão o fazendeiro viu silenciosamente e calmamente um mico caminhar por entre as galhas das arvores. Tão calmamente que nem as folhas se moviam, e viu quando Psiu gritou ao avista-lo. Há 20 anos morando na fazenda o proprietário nunca imaginou que ali havia um mico

Numa Fazenda conhecida como Pesque Pague em Cruz das Almas o único casal de sofrê (Icterus jamacaii) da região resolveu ter seus filhotes num ninho de Ursinhas ou Asa de Telha (Molothrus badius). Uma semana depois de nascido uma mulher que os observava diariamente mandou seu empregado roubar os filhotes, que postos numa caixa vieram a morrer. Uma semana depois um deles desapareceu, capturado pelo dono da fazenda. Restou apenas um exemplar, que passou a ser visto diariamente no rebanho das Ursinhas. 

Monitoro seus ninhos e a localização deles sempre no período de reprodução, vejo-as nascer e crescer, tendo colocado nome em todas. O grupo de Ursinhas de Mamãe Ursinha, se reproduz na zona rural de São Felipe, e foi lá que seis meses depois, no período de reprodução eu as encontrei e também um outro rebanho de sofrê com o sofrê solitário no meio. Ao me avistar ele se achegou, cantou por alguns minutos, depois voltou para seu grupo. Outro fato interessante é o de um pica-pau solitário (Colaptes campestris), único na Região do Recôncavo, que convive no grupo das Ursinhas e que todo ano pode ser visto sozinho, pousado na arvore onde as Ursinhas do grupo de Dougue se reproduz. Há oito anos este solitário pica-pau, acompanha e convive no grupo das Ursinhas.

Numa fazenda embargada no apesar de ser área de ocorrência de caboclinho (Sporophila bouvrenil bouvrenil), ali não havia mais nenhum, devido aos crimes contra a espécie praticados antes do inicio do nosso trabalho. E devido a reintrodução havia algum grupo de papa-capim (Sporophila nigricollis). Soltei um caboclinho, esperando que nas próximas apreensões houvesse outros dessa espécie para repovoar a área. No dia seguinte à soltura, o caboclinho estava a comer sementes de capim, as seis horas da manhã junto com o rebanho de papa capim. Por uma semana nós o monitoramos no rebanho, até que os papa-capim migraram para se reproduzir e ele foi junto. Após a reprodução voltaram, e ele voltou também, com seu pequeno rebanho de cinco caboclinhos.

A vida nas Florestas:

Os pássaros vivem em harmonia e companheirismo com outros da mesma espécie e de espécie diferentes. E com as demais espécies animais. Por diversas vezes presenciei, aves se alimentando na companhia de coelhos e preás. Também tive oportunidade de presenciar esses mesmos animais brincando. Não há agressão, nem perseguição, nem ciúme no mundo animal. Quando jovens todos os Pássaros Silvestres correm atrás de outros pássaros adultos de espécies diferentes, que simplesmente correm e não os enfrentam ou os machucam pois sabem tratar-se de filhotes. Não há brigas entre pássaros da mesma espécie ou de espécies diferentes por disputa de território ou de alimentos. As brigas ocorrem entre pássaros da mesma espécie apenas no período de acasalamento e o motivo é a disputa pela fêmea. Eles podem atracar-se e permanecer assim por minutos a fio, terminam se machucando, mas não matando-se.

Publicado originalmente em 21 de março de 2009.